A eleição presidencial de 2022, em vez de unificar, mergulhou o Brasil em profunda polarização. O fato é que o país foi marcado por anulações judiciais que concederam verdadeira alforria a condenados por corrupção, corroendo a confiança de grande parte da população na Justiça.
Milhões de brasileiros se sentiram traídos e tomados por um sentimento cívico de legítima defesa nacional. A coesão social quase se rompeu, porque tanto a direita quanto a esquerda se mantiveram entrincheiradas em suas convicções. A sorte do Brasil é que seu povo, por natureza, é pacífico. O ápice da indignação foi o 8 de janeiro, cujo vandalismo, embora reprovável, foi punido de forma desproporcional —a exemplo da emblemática condenação de 17 anos de prisão pela pichação de batom no monumento da Justiça.
Discordo desses atos, mas é inegável que, nesse ambiente carregado, as ideias extremas —como a eliminação de autoridades ou a derrubada do governo— povoaram o imaginário de milhões de cidadãos. Felizmente, tais devaneios não se concretizaram e permaneceram como delírio, assim como o vandalismo foi contido.
A missão de pacificar o Brasil cabe também ao Supremo Tribunal Federal. A pesadíssima condenação imposta ao ex-presidente Jair Bolsonaro (27 anos de prisão) em nada contribui com esse propósito. Há uma diferença intransponível entre inconformismo e golpe de Estado. A democracia vive da dialética, do confronto de visões, jamais da violência. Crimes comuns, se comprovados, devem ser punidos como tais, mas não transmutados em crimes contra o Estado democrático de Direito.
É nesse contexto que não entendo como correto o STF ter condenado desproporcionalmente os militantes e o ex-presidente pela suposta “trama golpista”. Concordo com o ministro Luiz Fux, que votou pela absolvição, e vou além: no mesmo ato, deveria ter sido concedido, de ofício, habeas corpus coletivo para libertar os condenados do 8 de janeiro. Desconheço provas concretas que justifiquem as sentenças. O que se verificou foi a criminalização de sentimentos nacionais, sem início de execução de atos reais de golpe ou de abolição violenta da ordem constitucional.
A acusação contra Bolsonaro se sustenta em elucubrações, minutas, cartas e planos nunca iniciados. A lei pune apenas condutas reais e não atos imaginários. Como destacou o ministro Fux, a simples existência de um plano não caracteriza golpe de Estado ou organização criminosa. Não houve demonstração de comando efetivo por parte do ex-presidente para o início de um golpe.
Tais imputações transformam divergências políticas em crimes contra a democracia. O debate democrático pressupõe a livre manifestação, inclusive de ideias impopulares, radicais ou minoritárias, ainda que delirantes. A liberdade de expressão não serve para proteger o consenso, mas o dissenso. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, já proclamava que a livre comunicação das ideias é um dos mais preciosos direitos do homem, punindo apenas abusos, jamais opiniões políticas.
Reconheço que os ministros do STF atuaram com bons propósitos, mas a democracia fica enfraquecida quando se pune pesadamente conjecturas e posições políticas. Abre-se uma ferida no pacto constitucional, pois a criminalização do dissenso político é incompatível com o regime de liberdades. O voto de Fux deu voz a parcela significativa da sociedade e resguardou o espírito de pluralidade em nosso país.
Emerge, então, a questão inevitável: até quando essas draconianas punições contra a liberdade de opinião resistirão ao crivo da história e à revisão constitucional? E como o Judiciário tratará, daqui em diante, manifestações tidas como radicais ou delirantes que permaneçam no campo da opinião e não da ação concreta?
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