Uma síntese possível da audiência pública ocorrida quinta passada (2) na Câmara Municipal paulistana é esta fala de Márcia Cunha, conselheira voluntária do parque da Água Branca: “Parque não é negócio imobiliário. Parque não é shopping. Parque não é estacionamento. Parque é parque”.
Só os profetas enxergam o óbvio, dizia o dramaturgo, e talvez seja mesmo necessário recuar para o muito básico para descrever o que está a ocorrer nos parques públicos da capital desde a concessão de sua gestão à iniciativa privada, objeto da audiência convocada pela vereadora Renata Falzoni (PSB).
Contexto: antes disso, para limpar terreno, a Câmara aprovou projeto do ex-prefeito João Doria que incluía a cassação do direito de voto dos representantes da sociedade civil nos conselhos gestores dos parques. Como Márcia.
Com a concessão, vieram os eventos fechados e a interdição de espaços; a publicidade grossa; o aumento de preços (ingressos e/ou alimentos ali comercializados); o barulho de shows e festas que amedronta a fauna; a impermeabilização. Vieram bons banheiros no Ibirapuera, mas não o fim da epidemia de furtos de bike.
Um exemplo entre tantos: em um ano sob gestão da Urbia, o núcleo Pedra Grande do Parque Estadual da Cantareira teve a entrada majorada em 163%. Hoje a inteira custa R$ 60.
O desvirtuamento da finalidade principal de um parque público, que é servir como área de lazer e bem-estar para os moradores da cidade, não deveria ser a contrapartida para a conservação e para o incremento desses aparelhos.
A Folha mostrou que nunca se investiu tanto em recapeamento nas últimas décadas na cidade de São Paulo, R$ 4 bi apenas em 2023. Diante disso, o custo de manutenção do parque Ibirapuera antes da concessão, cerca de R$ 29 mi anuais (excluídos museus e outros próprios culturais), 0,7% daquilo, parece suportável.
Investir em asfalto, aliás, é prioridade estranha numa época em que cidades como Paris se tornam menos carrocêntricas ao incrementar ciclovias e arborização, providência que ajuda a fazer frente ao apocalipse climático que já provoca intensificação de eventos extremos e formação de ilhas de calor em metrópoles.
Parece que São Paulo também padece disso.
Em última instância, o voto legitima as ações do eleito. Mas cabe a uma sociedade que tem muitos instrumentos de informação e de manifestação não encarar o resultado da eleição como aquele hit do Abba “The Winner Takes it All“.
Se alguém tiver alguma explicação do porquê de a esmagadora maioria da população de São Paulo e de cidades vizinhas jamais poder colocar os pés no parque da Cantareira —tradução explícita do que significa um ingresso a R$ 60—, por fineza, decline-a aqui.
Por amor ao bom proceder jornalístico, consigne-se que a Urbia já disse antes à Folha que tem “o direito contratual” de cobrança e atualização do valor dos ingressos e que investe em melhorias e na infraestrutura do parque da Cantareira.
Seu diretor, Samuel Lloyd, foi o único representante das concessionárias a aceitar o convite de Falzoni para a audiência na Câmara Municipal. Foi elogiado por isso.
Lloyd gostou quando um entregador de delivery, de bike, David Anastácio, pediu na audiência um “Oxxo ou um Carrefour Express” no Ibirapuera, pois assim gente “da quebrada” como David, também poderia consumir algo no parque.
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