Ela era afobada. Parceira da velocidade, planejava e executava um sem fim de coisas de uma vez só.
Maria das Graças Fontes Martins nasceu num sítio em Ervália, na zona da mata mineira. Cresceu dividindo escova de dentes com outros nove irmãos. Adorava relembrar a infância na roça, transformando sabugo de milho em boneca e encarando quilômetros de estrada de terra para estudar.
Apesar da origem, Graça nunca se encaixou no rótulo da mineira cozinheira de mão cheia. Craque em matemática, caprichava mesmo era nos números. Ainda adolescente, foi tentar a vida em Belo Horizonte. Conseguiu um emprego como caixa de supermercado, destacou-se por sua agilidade e chegou a chefe do setor de compras.
Do trabalho, ia direto para UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) cursar administração e ciências contábeis. Por um período, foi a única mulher da turma. E se divertia contando que os colegas faziam concursos da aluna mais bonita e a condecoravam com um mero segundo lugar.
Já formada, Graça se casou e foi morar em João Monlevade, onde abriu uma imobiliária. Fazia serão de segunda a sábado, escapando apenas para almoçar com os três filhos. Trabalhadeira, quis abrir uma farmácia e uma locadora de filmes. E ainda inventou de descer de ônibus até o Paraguai para trazer brinquedos que expunha nas vitrines. Os filhos esperavam afoitos pela volta dos pais, com as malas estufadas de bugigangas que eram mais em conta por lá.
Um dia, Graça realizou o sonho de conhecer Nova York. “Minha cidade preferida. Lá, todo mundo anda rápido, fazendo reuniões pelo celular e segurando um café na outra mão.”
A intensidade a fascinava. Encontrou o lugar ideal para empregar tamanha energia quando se tornou avó. Saltitava, escondia-se debaixo da cama, brincava de igual para igual. E confessava amar mais os netos que os próprios filhos, sem nenhum pudor.
Graça tinha jogo de cintura para resolver qualquer problema. Distribuía conselhos financeiros, afetivos, imobiliários. Era dona de uma alegria marcante. Católica fervorosa, era amiga íntima de Nossa Senhora Aparecida. Cantava alto e não dispensava uma cervejinha ao som de música sertaneja. Só não festejava o próprio aniversário, por desgosto de envelhecer.
Por muito tempo, prometeu desacelerar. Até que a decisão foi tomada por ela. Aos 73 anos, foi diagnosticada com ELA (esclerose lateral amiotrófica), doença degenerativa que afeta os neurônios motores. Em cerca de seis meses, parou de andar e de falar, respirava com ajuda de aparelhos e sequer tinha forças para digitar no celular.
Mas a mente se conservou lúcida até o fim, quando pôde degustar a notícia de que outros dois netos estavam a caminho. Morreu sem conhecê-los, no dia 24 de outubro de 2024, uma semana antes do seu aniversário. Ela deixa marido, três filhos e seis netos.
Graça manteve a tradição de evitar os parabéns, mas não faltaram abraços (demorados) em sua despedida.
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