Em nome de faturar um dinheirinho fácil, a corrida já se prestou a propósitos suspeitos. Em 2016, no auge da antipolítica e da beatificação dos santos-do-pau-oco de Curitiba, surgiu em São Paulo a prova “Não Aceito Corrupção”.
Ainda hoje sobrevivem eventos dessa marquetagem grosseira pelo Brasil. João Pessoa mandou um 10 km em dezembro com o nome “Corrida contra a Corrupção”. Havia até uma corrida “kids” contra a corrupção.
Mas esse é o contraponto, felizmente minoritário, às provas que ajudam instituições sérias e dão relevo a causas que merecem atenção da sociedade. Uma das mais tradicionais do calendário paulistano com esse corte é a corrida do Graacc, o hospital-referência no combate ao câncer da criança e do adolescente.
Neste domingo (26), convidado pela empresa de nutrição esportiva Bio2, participei em Piranguçu, a cerca de 50 quilômetros de Campos do Jordão, de uma corrida de montanha patrocinada pela companhia. Foi a primeira prova do tipo da cidade mineira, ainda que a região da Mantiqueira em que o pequenino município de 6.000 habitantes está seja pródiga em eventos desse tipo.
A escolha de Piranguçu, local modestíssimo diante das vizinhas Campos do Jordão, São Bento do Sapucaí e Itajubá, não foi casual. Leandro Farkuh, fundador da Bio2, é um empresário vegano e ativista, e tenta fazer na Bio2, cujas barras e outros compostos sintetizados de proteína e de carboidrato são necessariamente de origem vegetal, o que o mundo corporativo chama de “walk the talk” –fazer de fato aquilo que sua empresa comunica.
Isso significa não jogar para a plateia, não dizer-se por exemplo verde e sustentável apenas para tirar proveito de uma onda e de um segmento de mercado. Leandro entendeu que um dos grandes problemas do país é o desmatamento, e engajou a Bio2 na tentativa de mostrar a dimensão disso.
Antes da pandemia, comprou uma grande fazenda de baixa produção leiteira em Piranguçu, então totalmente desmatada para pasto, para deixar a mata atlântica nativa se regenerar. O projeto, chamado Floresta Bio2, conta com o apoio técnico da SOS Mata Atlântica, que ali já plantou mais de 100 mil mudas de espécies nativas. A diferença de cobertura vegetal em apenas cinco anos é notável.
Realizar a corrida em Piranguçu foi uma maneira também de indicar à cidade que há outras saídas econômicas que não a pecuária de baixa produtividade, como o turismo rural; e, ainda, que a regeneração vegetal pode ser não apenas importante para a saúde do planeta, como negócio compensador financeiramente.
Ele não gosta de incluir na conta o ainda incipiente mercado de sequestro de carbono, mas contabiliza o quanto a agricultura e a pecuária deixam de perder com secas prolongadas ou eventos extremos, consequências do desmate desenfreado em biomas diversos, como a amazônia.
Ele hoje trabalha para convencer seus vizinhos a regenerar áreas de suas propriedades, normalmente faixas de terras improdutivas, para recriar um corredor verde de floresta nativa na Mantiqueira. E, futuramente, tentar replicar a ideia por outros biomas brasileiros.
É um trabalho difícil num país em que o agronegócio que se vende como moderno, mas é useiro de práticas antiquadas, como o desmate desenfreado e o uso de agrotóxicos há muito proscritos em mercados menos permissivos, mantém enorme peso econômico e sobretudo político.
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