O Congresso analisa propostas para facilitar e ampliar o acesso de empreendedores ao MEI e ao Simples Nacional. Os tetos de enquadramento nos regimes não são reajustados desde 2018 – uma espécie de aumento disfarçado de carga tributária, que penaliza as pequenas empresas e microempreendedores.
Muitos optantes foram desenquadrados do MEI e do Simples porque, com o avanço da inflação nos últimos sete anos, superaram o limite de faturamento permitido nos regimes tributários mesmo sem ter percebido um crescimento real nas receitas. Com o desenquadramento por superar o teto, empresas entram para outros regimes tributários, nos quais em geral são mais taxadas.
Um dos obstáculos à atualização do teto é a situação fiscal do governo. A Receita Federal afirma que o Simples é a maior renúncia de impostos da União, e uma ampliação no número de empresas enquadradas poderia aumentar essa renúncia, ao trazer para um regime de tributos reduzidos CNPJs que hoje pagam impostos mais altos.
No ano passado, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, chegou a falar em “aprimoramento” no Simples e no MEI, a fim de arrecadar mais recursos. Ou seja, a ideia seria restringir o acesso aos regimes, em vez de ampliá-lo. “O que é considerado Simples e Microempreendedor foi ampliado em demasia”, disse a ministra na ocasião.
Defensores da atualização da tabela, por outro lado, argumentam que a correção poderia trazer mais empreendedores para a formalidade – e com isso elevar a arrecadação do governo, em vez de diminuir.
Uma das iniciativas que tramitam no Congresso é o projeto de lei complementar (PLP) 108/2021, que propõe elevar o teto de receita do Microempreendedor Individual de R$ 81 mil para R$ 144,9 mil; o de microempresas, de R$ 360 mil para R$ 869,4 mil; e o de empresa de pequeno porte, de R$ 4,8 milhões para R$ 8,69 milhões.
Outro projeto, o PLP 127/2021, permite ampliar as condições e o teto para contabilizar o ICMS no cálculo do imposto do Simples Nacional.
No último dia 7, Dia do Empreendedor, durante sessão solene na Câmara dos Deputados, integrantes das frentes parlamentares do Livre Mercado, das Micro e Pequenas Empresas, da Mulher Empreendedora, de Comércio e Serviços e do Empreendedorismo lançaram um manifesto pedindo urgência para a votação do PLP 108/2021.
Conforme exposto no documento, os tetos do MEI e do Simples sofreram corrosão de mais de 40% pela inflação desde a última atualização. O manifesto ainda traz que as mudanças propostas no PLP 108/2021 podem gerar até 870 mil novos empregos e devolver aos cofres públicos, por meio de impostos, entre R$ 18 bilhões e R$ 22 bilhões em até três anos e meio.
Valores defasados geram perdas
Any Ortiz (Cidadania-RS), que coordena a Frente Parlamentar da Mulher Empreendedora, afirmou que o projeto apenas reajusta valores que estão defasados desde 2018.
“As alíquotas do Simples não podem desconsiderar a inflação acumulada há mais de sete anos. Não se trata de ampliar benefícios, mas de reconhecer a realidade enfrentada pelos micro e pequenos empreendedores brasileiros”, afirmou a deputada.
O projeto original, de autoria do senador Jayme Campos (União-MT), chegou à Câmara ainda em 2021. A Comissão de Finanças e Tributação revisou o texto, estabelecendo os valores atuais da proposta, que ainda prevê a atualização anual dos limites pela inflação medida pelo IPCA. No início de outubro, foi pedida a inclusão do projeto na pauta para apreciação do Plenário, mas ainda não houve votação.
94% das empresas do país se enquadram no Simples
Na terça-feira (14), durante audiência pública na Comissão de Indústria, Comércio e Serviços da Câmara, o ministro substituto do Empreendedorismo, Tadeu Alencar, afirmou que o Brasil tem a oportunidade de aprimorar instrumentos como o Simples Nacional, considerado fundamental para fortalecer o segmento da economia que responde por 94% das empresas do país.
Durante a audiência, que abordou os ajustes propostos no faturamento do MEI e do Simples, Tadeu Alencar também afirmou que as pequenas empresas são responsáveis por cerca de 30% do PIB e por mais de 80% da empregabilidade no país.
Além disso, explicou que a falta de reajuste gera perdas para os empresários e empreendedores equivalentes àquelas geradas pela falta de atualização da tabela do Imposto de Renda para a pessoa física.
O ministro substituto também disse que a expectativa é de que a atualização dos tetos do Simples e MEI tenha votação expressiva na Câmara, assim como ocorreu com o projeto para isenção do IR. Na quinta, em outra audiência na Câmara, ele repetiu seu apoio à correção da tabela, mas afirmou que o governo ainda está discutindo o assunto.
Apesar das declarações de Alencar, a equipe econômica do governo tende a resistir à atualização da tabela do Simples e do MEI, uma vez que isso poderia aumentar a renúncia fiscal. Isto é, mais empresas poderiam entrar para o regime especial, pagando menos impostos e reduzindo a arrecadação do governo, que está em busca de mais dinheiro (leia mais abaixo).
Constituição garante tratamento diferenciado ao Simples
O idealizador do Simples e atual secretário de Planejamento Estratégico de São Paulo, Guilherme Afif Domingos, durante a sessão solene do Dia do Empreendedor, explicou que o regime especial do Simples cumpre com a determinação do artigo 179 da Constituição Federal, que assegura tratamento diferenciado ao setor.
“Tratar os desiguais desigualmente, de acordo com suas desigualdades. O artigo 179 é claro ao determinar que União, estados e municípios devem conceder tratamento diferenciado às micro e pequenas empresas nos campos administrativo, tributário, previdenciário e creditício, na forma da lei. Assim começou nossa caminhada”, afirmou Afif.
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Ampliação de tetos pode afetar as contas do governo
Apesar de trazer alívio para os pequenos e microempresários, um dos pontos que pode dificultar a tramitação das propostas é o impacto nas contas do governo, já que, ao ampliar a faixa de faturamento, o PLP 108/2021 afeta a arrecadação.
Alexandre Andrade, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), vinculada ao Senado, avalia que o governo terá muitas dificuldades para cumprir as principais regras fiscais, como o limite de despesas e a meta de resultado primário, neste e no próximo ano.
Desse modo, será preciso realizar um esforço extra para encontrar outras fontes de receita que financiem o aumento de despesas ou a renúncia de arrecadação, caso as propostas sejam aprovadas pelo Legislativo.
Em 2024, quando falou em medidas para ampliar a receita do governo, a ministra Simone Tebet mencionou iniciativas para verificar quais profissionais têm se enquadrado como MEI e também em cruzamento de dados a fim de identificar empresas que abrem diversos CNPJs para não serem desenquadradas do Simples.
Simples é a maior renúncia fiscal da União, diz Receita
Na avaliação de muitos especialistas em contas públicas, as medidas de ampliação do Simples e do MEI também acarretam perda de receitas — as estimativas são de cerca de R$ 9,2 bilhões, de acordo com o Valor.
Segundo a Receita Federal, o Simples é a maior renúncia de impostos federais. Em 2025, a perda de arrecadação estimada pelo Fisco com o programa é de R$ 121 bilhões, ou 22% de todos os benefícios tributários concedidos pela União.
Assim, ao aumentar a renúncia, medidas como as propostas que atualizam os valores do Simples podem agravar a saúde fiscal do país. “As contas públicas não estão mostrando uma trajetória sustentável, e esse tipo de projeto agrava ainda mais essa situação”, afirma Alexandre Andrade, da IFI.
Os defensores do Simples e do MEI costumam contestar as projeções da Receita, porém. Segundo eles, boa parte das empresas enquadradas estariam na informalidade se esses programas não existissem – ou seja, não gerariam qualquer arrecadação para o governo.
O já citado manifesto das frentes parlamentares, por exemplo, argumenta que a atualização da tabela de enquadramento no Simples e no MEI aumentaria a arrecadação de impostos – algo entre R$ 18 bilhões e R$ 22 bilhões em até três anos e meio.
Sustentabilidade das contas públicas segue frágil
No início de setembro, com a aprovação da Emenda Constitucional 136, o Congresso retirou o pagamento dos precatórios do limite de despesas do arcabouço fiscal e também dos cálculos do resultado primário do governo. A medida trouxe uma folga, ainda que temporária, para o último ano da gestão Lula.
Mas, segundo Andrade, diretor da IFI, nem mesmo essas novas regras serão capazes de garantir a sustentabilidade das contas da União, em razão da tendência de crescimento da dívida pública.
“Mesmo que não seja computado nas regras [meta de primário e limite de despesas], o pagamento de precatórios afeta a dívida pública. E a sustentabilidade das contas públicas no longo prazo é definida pela trajetória da dívida”, afirma.
A situação se agravou com a queda da MP 1.303 no início de outubro. O governo, que contava com a arrecadação originada pela medida para fechar o orçamento deste ano e do próximo, já estuda saídas para reaver os recursos.
Proporção dívida/PIB deve superar 80% em 2026
Entre julho e agosto deste ano, a dívida pública cresceu 2,98%, chegando a R$ 8,1 trilhões. Segundo estimativas do Tesouro Nacional, o governo deve fechar 2025 com uma dívida entre R$ 8,5 trilhões e R$ 8,8 trilhões.
Projeções da IFI demonstram que, neste ano, a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) alcançará o patamar de 77,6% do PIB. No próximo ano, o cenário tende a se agravar, com a dívida bruta chegando a 82,4% do PIB.
Projetos podem violar a Lei de Responsabilidade Fiscal
Outro ponto que pode afetar o andamento dos projetos que ampliam o acesso ao Simples e ao MEI é uma possível violação à Lei de Responsabilidade Fiscal. Segundo essa norma, toda proposição que trata de renúncia de receitas ou aumento de despesas precisa, necessariamente, apresentar medidas compensatórias — o que não ocorre com os PLPs.
Além disso, ambas as propostas acabam por criar despesas ou renúncias de arrecadação, levando a impactos financeiros para o Executivo. Como ambos os PLPs foram propostos por integrantes do Legislativo, pode haver um vício de iniciativa nos projetos.
O que propõem os projetos
O PLP 127/2021, proposto pelo então senador e hoje governador de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL-SC), propõe alterar a Lei Complementar 123, de 2006, que estabelece o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, também conhecida como Lei do Simples Nacional.
A principal modificação visa conceder aos estados a opção de não adotarem o sublimite obrigatório de R$ 3,6 milhões para o recolhimento do ICMS no Simples Nacional, permitindo que as empresas locais paguem esse imposto dentro do regime para faturamentos de até R$ 4,8 milhões.
O PLP 108/2021, do senador Jayme Campos (União-MT), propõe alterações na Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, que institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte.
A principal mudança propõe o aumento do limite de receita bruta anual. Há dispositivos que ampliam a possibilidade de contratação, entre outras regras, para as microempresas.
Propostas estão em tramitação
Atualmente, o PLP 127/2021 está sendo analisado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal. Ele seria apreciado no dia 12 de agosto, mas a avaliação foi adiada.
O PLP 108/2021, após passar por diversas comissões na Câmara, foi apresentado à Mesa Diretora no dia 9 de setembro, com requerimento de inclusão na ordem do dia, mas segue sem ter sido apreciado.
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