Condenados por golpe de Estado, abolição violenta do Estado democrático de Direito, organização criminosa e dano, Jair Bolsonaro e membros da cúpula de seu governo enfrentarão penas altas e regime fechado.
A decisão, tomada por maioria da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, reconheceu que os fatos apresentados pela Procuradoria-Geral da República foram provados e que, concatenados e encadeados, representaram a inegável prática de graves crimes previstos na Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito.
Os votos dos ministros Alexandre de Moraes, Flávio Dino e Cristiano Zanin e da ministra Cármen Lúcia foram uníssonos em afirmar a profusão e a diversidade de provas a corroborar as acusações e a participação dos réus nos crimes, cada um de sua forma.
A condenação foi pautada pelo debate técnico-jurídico das categorias do direito penal, bem como do inevitável contexto de crise política e de defesa da democracia. A crueza dos fatos, com tocaia e monitoramento para assassinato de autoridades, com registro e confissão feitos, inúmeras vezes, pelos próprios réus, de atos voltados a travestir de legalidade um golpe com militares, não deu espaço para qualquer negação dos eventos.
Na contramão, apenas o voto vencido de Luiz Fux, que contradisse as provas dos autos e a si mesmo. Suas razões servirão como combustível para extremistas, mas são frágeis e não trarão consequências jurídicas. A dissidência de apenas um voto não permite o uso de recurso de plenário; pelo entendimento do tribunal, seriam necessários dois votos absolutórios.
É certo que estamos diante uma ação penal, gerida pelas regras processuais penais sem intercorrências, com réus específicos, acusados por atos determinados no tempo. Porém, há significados que extravasam as barreiras do processo. De certa forma, nosso passado foi depurado neste julgamento.
Não há dúvidas de que este é um dos julgamentos mais relevantes da nossa história. A sua importância ímpar reside em muitos aspectos: na capacidade de julgar de crimes graves cometidos pelas pessoas mais poderosas do país; na exposição das entranhas de uma tentativa de golpe, quando ainda convivemos com tantos sigilos; na justiça levada a golpistas pela primeira vez, quando as outras ainda estão soterradas pela inconstitucional anistia; no exercício da independência judicial, ainda que diante de uma gravíssima tentativa de coação contra o tribunal e seus ministros feita, sob encomenda, por um país estrangeiro.
Mas o maior mérito desse julgamento é permitir a construção de um futuro democrático. A Constituição de 1988, marco da saída da ditadura, incorporou algumas salvaguardas democráticas e procurou nos vacinar contra novos golpes. Foi a Constituição que exigiu a criminalização de crimes contra o Estado democrático de Direito; que incumbiu o Supremo da missão de julgar poderosos que desvirtuam seus mandatos; que protegeu o pluralismo, os direitos humanos, a democracia. É também a Constituição que refuta, desde já, a possibilidade de anistia para golpe.
As salvaguardas constitucionais foram acionadas e funcionaram. Eleitores rejeitaram um projeto autoritário, criminosos foram investigados, denunciados e julgados. Lideranças políticas se uniram em defesa das instituições com a eclosão violenta do 8 de Janeiro. A Constituição precisa de instituições e pessoas dispostas a protegê-la. Para construir um futuro democrático, não há mais espaço para golpismos.
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